por Breno Lucano
Em Anaximandro algo muda nos pré-socráticos. Isso ocorre porque, de um lado, a phýsis era entendida como algo perceptível, definido, delimitado, algo que poderia ser facilmente apreendido, como o úmido, o seco, o quente ou o frio. A phýsis agora se torna o ápeiron.
Vamos por partes. Ápeiron é uma palavra composta pelo prefixo negativo "a" e pelo substantivo "péras", que indica limite, fronteira, extremidade. Ápeiron
é, portanto, etimologicamente aquilo que não possui fim, imenso,
ilimitado, inumerável, incalculável. Em termos filosóficos, é o
indeterminado que, não possuindo nenhuma das coisas e nenhuma das
qualidades dá origem a todas elas.
Três fragmentos nos demonstram o significado de ápeiron:
"Princípio (arkhé) dos seres... ele disse que era o ilimitado... Pois donde a geração é para os seres, é para onde também a corrupção se gera segundo o necessário; pois concedem eles mesmos justiça e deferência uns aos outros pela injustiça, segundo a ordenação do tempo (Simplício, Comentário da Física de Aristóteles)."
"Esta (a natureza do ilimitado) é sem idade e sem velhice (Hipólito, Refutação das Heresias)."
"Imortal... e imperecível (Aristóteles, Física)."
Via de regra, os documentos sobre Anaximandro são interpretados da
seguinte maneira: todas as coisas se dissolvem, se dissipam onde tiverem
sua gênese, conforme a necessidade e em função do tempo. O ilimitado é
eterno e indissolúvel.
Anaximandro foi sucessor de Tales na história do pensamento, embora
pouco se relacione com as idéias de seu mestre. Foi o primeiro a
utilizar a terminologia arkhé e algumas considerações merecem ser tomadas. Identificou claramente a phýsis à arkhé
enquanto aquilo que só pode ser alcançado pelo pensamento, pois o
princípio não se confunde com os elementos visíveis e empíricos. Daí
decorre que os princípios são formulados tendo por base algo que é
quantitativamente sem limites e qualitativamente indeterminado.
Sendo eterno, o ápeiron é superior aos deuses. Como dirá o texto
de Aristóteles em que parafraseia Anaximandro, é imortal e imperecível,
portanto, incorruptível. O ilimitado é eterno, enquanto os deuses, todos
eles, foram gerados. Entende ainda que os elementos se separam do
princípio para a geração, formulam a multiplicidade das coisas como
opostas ou contrárias para, somente depois, retornar ao princípio. Em
outras palavras, Anaximandro explica como do indeterminado e ilimitado
surgem as coisas determinadas e limitadas, ou ainda a origem das coisas
individuais.
Anaximandro se espanta com o que se chamará de dialética. O mundo
enquanto guerra dos contrários é formulado pelo indeterminado que dá
origem à pluralidade das coisas. Assim, temos o fogo que consome o ar; a
umidade do mar que, ao se evaporar, se torna ar; a sequência das
estações do ano; as diferenças entre os animais em termos de anatomia e
fisiologia; as diferenças dos homens em termos étnicos, psicológicos e
culturais. As diferenças decorrem do processo de individuação dos seres
e, ao mesmo tempo que formula o kósmos, é uma injustiça que precisa ser reparada, já que a justiça é a paz e o mundo é eterna guerra.
Existe ao menos uma dúvida quanto a Anaximandro. Quando afirmava que
existem variados mundos não se tem certeza se com isso ele afirmava que
existem mundos simultâneos originados do ápeiron ou se mundos sucessivos
produzidos a cada nova separação no interior do ápeiron, depois do fim
de cada mundo. Seja como for, esta é uma questão em aberto que merece
pesquisas posteriores.
fonte:http://www.portalveritas.blogspot.com.br/2013/11/anaximandro-de-mileto-e-o-ilimitado.html#more
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