sábado, 11 de janeiro de 2014

Demócrito e o Riso

  Breno Lucano

Demócrito
Demócrito filósofo, mas também Demócrito viajante. Nativo de Abdera, Demócrito utiliza seus recursos obtidos por herança familiar em peregrinações, atravessa o Mediterrâneo, alcança a África oriental, toca as margens do Mar Vermelho. Toma lições com Leucipo, mas também de teologia e astronomia com os magos caldeus, os padres egípcios o iniciam na geometria e os gimnosofistas indianos lhe revelam o ascetismo e os exercícios espirituais de meditação.
Sobre suas viagens, conta uma anedota que Demócrito a inteligência de um carregador particularmente esperto. Compra o carregador e, posteriormente, o promove a secretário. Mais tarde este se tornará o famoso filósofo Protágoras, aquele do homem medida de todas as coisas...
Hegel se equivocou ao afirmar que o anedotário filosófico é desprovido de significado e que, portanto, Diógenes não é um filósofo. Porque toda a vida de Diógenes é baseada em anedotário, assim como de Demócrito. E uma das estórias mais conhecidas do homem de Abdera é sobre sua cegueira. A cegueira pode representar então o homem movido pelas paixões, decorrendo daí uma aritmética dos prazeres capaz de propor sentido ao mundo.
O certo é que Demócrito se utiliza frequentemente de Leucipo: o real se constitui por átomos; não há dualidade platônica entre material - o Mal - e imaterial - o Bem; desconstrói a idéia entre espírito e carne; dilacera os deuses, a transcendência e a causalidade divina; o devir é única instância permanente do mundo. A expressão espírito é utilizada, mas enquanto partícula do corpo, que se desagrega juntamente com ele no momento da morte.
Fica a pergunta: qual a finalidade da vida num mundo caótico? E Demócrito responde: a alegria. A alegria remete à tranquilidade da alma, à sua ordem, mas também  à hilariedade, ao bom humor, à boa disposição tanto quanto à saúde moral. A firmeza da alma à qual Demócrito exorta traduz o prazer sutil da relação travada consigo mesmo por um indivíduo que não teme nada e pode, portanto, na absoluta indiferença com respeito às leis, obedecer apenas a si mesmo e viver livremente.
Como em todos os filósofos da Antiguidade, Demócrito associa saber à moral. O acúmulo de conhecimento não era o fim-em-si, mas um meio de afastar do senso comum e alcançar a felicidade. Isso porque se afastar dos deuses e de suas cóleras, deixar de temer o raio e o trovão, as tempestades, os relâmpagos, os terremotos, os maremotos... Associar racionalmente causa e efeito, compreender os movimentos da alma, todos esses itinerários proclamam um saber, mas também uma ciência. Aqui, mais uma vez, a ciência encaminha a uma vida feliz.
Demócrito inicia um assunto que será recepcionado posteriormente por Epicuro: o sábio deve se esquivar dos assuntos públicos. O abderiano entende que a introdução nos assuntos públicos origina situações que conduzem o homem à perturbação. Mas não só isso. A vida doméstica também influi para a perturbação. Assim, o sábio também deve se esquivar da geração de filhos. Os filhos são fonte de temores, medos, contrariedades e aborrecimentos para os pais. Sua saúde, seu futuro, sua vida, tudo se torna um peso sobre os ombros do pai ou da mãe.
Nada temer, nem os deuses nem os homens; não se empenhar acima de suas forças; não perder a alma em prazeres cuja satisfação acarretará insatisfação futura; desejar o prazer da comunhão consigo mesmo; não procriar; em hipótese alguma se envolver nos assuntos da cidade; não impulsionar pulsões que desequilibram; visar a alegria. Em poucas palavras temos o catecismo abderiano, o manual da alegria e da felicidade para qualquer aspirante à sábio. Seja como for, o riso fomenta, em última instância, todo ideal de Demócrito.
Fonte: http://www.portalveritas.blogspot.com.br/2013/11/democrito-e-o-riso.html#more

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Gabriel Marcel: Existência como mistério

Filosofia cristã
Gabriel Marcel: Existência como mistério
Gabriel Marcel nasceu em Paris a 7 de dezembro de 1889. Sua mãe Laure, filha de banqueiros judeus, morreu quando Gabriel tinha apenas quatro anos (1893). Na sua autobiografia considera que este acontecimento foi um dos momentos de trevas da sua vida. Gabriel foi então criado pelo pai Henri, Conselheiro de Estado e diplomata, e pela tia, Marguerite Meyer, com quem o pai casaria mais tarde. No ano de 1898 Henri é enviado para a Suécia, onde Marcel passará alguns anos.
De volta a França, Gabriel Marcel começa a estudar Filosofia no ano escolar de 1905-1906, tendo-se depressa apaixonado pela “matéria”. Após terminar o ensino secundário, inscreve-se na Sorbonne, onde prossegue o estudo da disciplina. A sua tese, “Les idées métaphysiques de Coleridge dans leurs rapports avec la philosophie de Schelling”, foi apresentada em 1909 e publicada em 1971. Assistiu às aulas de Péguy, Maritain e Bergson, o professor que mais o marcou. Como era também dramaturgo, Gabriel Marcel publica em 1911 a peça “La grâce” e em 1913 “Le palais de sable”.
Após obter a agregação em Filosofia pela Sorbonne, leciona em diversos estabelecimentos do ensino secundário: Vêndome (1912), Paris (1915-1918), Sens (1919-1922), Paris (1939-1940) e Montpellier (1941).
Embora não tivesse participado ativamente na I Guerra Mundial, junta-se em 1914 à Cruz Vermelha Francesa com a missão de encontrar militares desaparecidos. Os horrores de que tem conhecimento experimentado fazem-no abandonar o seu idealismo, passando a um humanismo mais concreto. Durante a guerra, e depois dela, escreve algumas notas em que desenvolve fortes tendências existencialistas. Estes textos foram publicados em 1927 sob o título de “Journal Métaphysique”.
Terminada a guerra em 1918, casa no ano seguinte com Jacqueline Boegner, que morreria tragicamente em 1947, após doença terminal. O casal havia adotado um filho, de seu nome Jean Marcel. No ano de 1929 Gabriel Marcel converte-se ao catolicismo, recebendo o batismo no dia 23 de março desse ano.
Já a 1932 Gabriel Marcel profere uma conferência na Sociedade de Filosofia de Marselha sob o título “Positions et approches concrètes do mystère ontologique”, considerado o seu trabalho mais significativo, pois nele distingue essencial e metodologicamente entre “problema” e “mistério”, entre “ter” e “ser”. Se o “problema” visa ser resolvido sem implicações de ordem subjetiva, o mesmo não se passa com o “mistério”, que diz justamente a implicação do sujeito no perguntar que está longe de ter uma solução definitiva e irrecusável. O mesmo se passa com o “ter” e o “ser”, enquanto dimensões irredutíveis da realidade, sendo que a primeira pertence à dimensão problemática e a segunda à dimensão misteriosa. Na verdade, o homem é essencialmente um mistério.
No período que compreende a sua busca religiosa e posterior conversão, Gabriel Marcel publicará, em 1935, uma das suas maiores obras: “Être et avoir”. Obra na qual fala da existência como “encarnação”, ou seja, da existência corporal como inserção no mundo e ao mesmo tempo como abertura ao Absoluto, recuperando as categorias de “mistério” e “ser” em oposição a “problema” e “ter”, que já havia definido em “Positions et approches…”.
Terminada a II Guerra Mundial (1945), Gabriel Marcel proferiu as “Gifford’s Lectures” em Aberdeen, na Grã-Bertanha, nos anos de 1949-1950. Entre 1950 e 1951 publica “O Mistério do Ser”, em dois volumes. Deu ainda as “William James Lectures”, nos Estados Unidos da América, em 1961. Além do título de doutor “honoris causa” conferido pelas Universidades de Tóquio, Salamanca e Paul (EUA), recebeu ainda o prémio da Literatura da Academia Francesa (1948), o Grande Prémio Nacional de Letras (1958) e o Prémio Erasmo (1969).
Gabriel-Honoré Marcel morreu a 8 de outubro de 1973 de ataque cardíaco, na cidade de Paris. Teve exéquias solenes na Igreja de São Sulpício, presididas pelo Cardeal Jean Daniélou. Repousa no cemitério de Trocadero, em Paris.
Fonte:  http://www.snpcultura.org/arquivo_index.html