quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

A lei moral de Kant e a realidade sócio-política brasileira

A lei moral de Kant e a realidade sócio-política brasileira
Autor: Wesley Wadim Passos Ferreira de Souza
Fonte: dontotal


RESUMO: Este pequeno texto traça um paralelo entre alguns aspectos importantes da filosofia kantiana (contidos na Critica da Razão Prática e na Doutrina da Virtude) e a realidade da política e da sociedade brasileiras. Pretende-se demonstrar o quanto estamos distantes dos ideais kantianos nos dias atuais e que uma das causas dos grandes problemas experimentados no Brasil de hoje é uma profunda crise moral.

PALAVRAS-CHAVE: lei moral; Kant; política; sociedade; brasileira

1 Introdução

Em tempos como os vividos atualmente no Brasil, não me parece nem um pouco desnecessário retomar a questão ética no cenário sócio-político nacional.
Freqüentemente vêm à minha mente as seguintes indagações: _ Aqueles que criticam os políticos nacionais estariam aptos a comportar-se de forma diferente se exercessem os mesmos cargos? _Seria possível acreditar que um novo político empossado em fevereiro de 2007 teria ambiente para adotar comportamentos próximos do rigorismo Kantiano? Ou ainda: _ Mesmo alguém, seja consumidor ou empresário, seja servidor público ou empregado da iniciativa privada, seja jovem ou seja idoso, adotaria comportamento, pelo menos semelhante ao preconizado por Kant em sua conhecida obra “Critica da Razão Prática?

Pois, bem. È evidente que as perguntas formuladas acima não encontrarão resposta ao final do texto, até porque são revestidas de intensa subjetividade.
Vale dizer: somente quem vivesse a situação descrita poderia dar sua resposta própria. Porém, os princípios da moral Kantiana poderiam oferecer-nos aparato para adotar comportamentos mais próximos dos preconizados pela Carta da República em seu artigo 1º, tais como a dignidade da pessoa humana e pluralismo político, permitindo a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, onde fosse efetivamente possível a redução das desigualdades sociais e, talvez não a erradicação, mas a diminuição da pobreza e da marginalização.

Antes de adentrarmos especificamente os conceitos e princípios dados pela filosofia Kantiana, procuraremos expor um pequeno panorama das situações mais comumente encontradas na prática política nacional, as quais serão confrontadas com a hermética moral do filosofo Alemão.

Os recentes episódios ocorridos no parlamento brasileiro e fartamente expostos pela mídia demonstram a total falta de compromisso com interesses coletivos. Nossos representantes no parlamento parecem preocupar-se tão somente com a própria manutenção no poder e obtenção de vantagens pessoais, conduzindo-se por uma inclinação devassa que chega a causar rubro no mais despudorado dos facínoras.

Para comprovar tal conclusão basta lançar de soslaio os olhos nos “mensalões”, “mensalinhos”, sangue sugas e nos escândalos envolvendo a obtenção de dossiês, fraudes em concursos públicos, emprego de parentes e outros apadrinhados nos cargos públicos, cujo acesso deveria ser franqueado aos cidadãos que demonstrassem maior preparo técnico.

Enfim, essa sorte de mazelas que parece demonstrar que o povo brasileiro vive num enorme carnaval de bandalheiras, numa incessante orgia de falcatruas que se repetem com freqüência tal que, cerca de dois ou três meses do último escândalo, já não se tem mais lembrança dos detalhes dos primeiros, haja vista a intensidade do escândalo mais recente, no mais das vezes bastante superlativos em sordidez e dimensão.

Essa realidade assaz desesperadora, ao mesmo tempo em que desencanta e desestimula, permite que possamos refletir sobre as fontes dos infortúnios brasileiros, entre as quais me parecem estar uma crescente crise moral.

Dessarte, sem o objetivo de esgotar o tema, passarei a tecer breves comentários sobre a moral delineada por um dos mais pungentes filósofos ocidentais; Immanuel Kant

2 A Lei Moral de Kant e o conceito de boa vontade

Immanuel Kant nasceu em Konigsberg, Alemanha, no ano de 1724.
Sua vida não foi permeada de grandes acontecimentos, haja vista que somente uma única vez deixou sua cidade natal.

Extremamente dedicado aos estudos e à docência, diz-se que adotava uma rotina quase religiosa no que tange às atividades diárias, tendo inclusive hora certa para deixar sua casa rumo a um passeio pela praça local.

Se no que tange aos costumes sua vida era simples, no âmbito acadêmico não se pode dizer o mesmo de Kant. Sua produção intelectual foi punjante.

Entre os diversos opúsculos escritos por Kant, foram elaboradas três críticas (a da razão Pura, a da razão prática e a do Juízo), cujos aspectos mais relevantes para a análise proposta na introdução deste trabalho serão ressaltados a seguir.

A primeira crítica de Kant intitulava-se “Crítica da Razão Pura”, a segunda traz o titulo “Crítica da Razão Prática” e é nesta obra que encontramos os conceitos que desejamos por em destaque neste texto.

Esta segunda crítica se subdivide, assim como a primeira, em uma analítica, que é a regra da verdade, e numa dialética, que é a exposição e a solução da aparência nos juízos da razão.
A filosofia Kantiana vai se ocupar então de definir o que vem a ser uma boa vontade e, para tanto, deixa extreme de dúvida que esta boa vontade não é aquela que decorre de boas inclinações, ao contrário, agir por dever para Kant é diferente de agir conforme o dever.

No primeiro caso, mesmo não estando inclinado para uma conduta virtuosa o indivíduo procura praticá-la dentro do que entende ser uma máxima que pode ser erigida a regra universal, ou seja, que valha para todos os homens, no segundo caso, (agir conforme o dever) o indivíduo tendo inclinações para condutas virtuosas as pratica, de modo que seu móvel (impulso subjetivo) já previamente estava dirigido a algo que pode ser considerado bom.

Para Kant agir moralmente não é agir por causa de boas inclinações, dado que estas inclinações são sempre subjetivas e podem variar de pessoa para pessoa, mas sim agir segundo regras necessárias e universais, mesmo não estando inclinado para isto. É agir segundo imperativos de ordem objetivo (que têm valor para o bem da coletividade).

Desta breve análise, retira-se a formula geral do imperativo categórico Kantiano: “Procede apenas segundo aquela máxima, em virtude da qual podes querer ao mesmo tempo que ela se torne em lei Universal”.

Kant diferencia este imperativo categórico dos imperativos hipotéticos, pois estes últimos dizem respeito às ações necessárias para alcançar um certo fim, ou seja de forma condicionada, por exemplo, a habilidade e a prudência.

Com a habilidade nos propomos a alcançar uma finalidade de maneira mais econômica. Com a prudência evitamos dissabores, buscamos alcançar a felicidade.

A moralidade, porém trata-se de um imperativo categórico, de uma feita que mesmo que não alcancemos a felicidade ou o fim colimado, agindo moralmente estaremos cumprindo um dever que põe em relevo, não meu interesse pessoal, mas o interesse de toda a coletividade. Segundo Kant o imperativo da moralidade não dita conselhos ou regras, dita leis.

“De fato só a lei implica em si o conceito de necessidade incondicionada, verdadeiramente objetiva e, conseqüentemente, válida para todos, e os mandamentos são leis a que é mister obedecer, isto é, devem ser seguidas, mesmo quando contrariam a inclinação”. (Crítica da Razão Prática, p.78)


Merece destaque o fato de que Kant tem consciência de que todo ato humano é dirigido para um fim, porém, o que ele defende é que uma ação moral, não pode ser dirigida para fins subjetivos, pois esses evidentemente variariam de pessoa para pessoa. Deve-se buscar , pois, um fim objetivo e, segundo ele, o único fim objetivo possível é o homem.

O homem para Kant é um fim em si mesmo, logo, não pode ser utilizado como instrumento. Daí decorre a segunda formulação do imperativo categórico de Kant:

“Procede de maneira que trates a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de todos os outros, sempre ao mesmo tempo como fim, e nunca como puro meio” (p. 92)


E da aproximação da primeira formulação do imperativo com a segunda deriva a conclusão de que o homem não poderia ser um simples objeto da legislação universal imposta pela lei moral, sendo necessário que ele seja seu próprio autor.

Assim: a lei moral não pode ser recebida de fora, é preciso que ela brote do interior do ser humano. Vem daí o terceiro princípio da moralidade kantiana: “a idéia da vontade de todo ser racional considerada como promulgadora de uma legislação universal. (p.94)

Trata-se do princípio da autonomia da vontade. Obedecemos a lei moral porque somos nós mesmos formuladores dela. A vontade dá-se a si mesma a sua lei: ela é autônoma.
A autonomia é para Kant, pois, o princípio supremo da moralidade, já que implica, ao mesmo tempo, a vontade de uma legislação universal e o respeito à pessoa humana que lhe deve a sua dignidade.

Dessarte, uma vontade é boa quando convertida em lei universal não pode contradizer-se a si mesma.

3 A metafísica dos costumes

A Metafísica dos costumes é o texto que completa a Crítica da Razão Prática.
Tal escrito tem relevância para esta pequena explanação na medida em que através dele Kant elenca uma série de princípios que podem ser utilizados na aplicação da legislação moral à experiência (vivência cotidiana). Trata-se de uma forma de aplicar à realidade concreta dos costumes os princípios a priori apurados na análise da lei moral.

O objetivo dessa metodologia é mostrar como “se pode dar acesso no espírito humano às leis da razão pura prática, e fazê-las influir nas máximas deste espírito, ou seja, fazer da razão objetivamente prática uma razão subjetivamente prática”.

Kant elaborou uma série de escritos sobre a doutrina da virtude, onde trabalhou temas como a mentira, a difamação, o orgulho, a inveja entre outros.

Em todas as suas abordagens uma marca característica pode ser encontrada: o seu intenso rigor com os desvios morais.

O presente texto não tem a pretensão de explorar cada tratado kantiano sobre estes temas, porém, algumas análises mais conhecidas da obra do filósofo alemão podem ser colocadas em confronto com a realidade brasileira. Vejamos:

4 Paralelo entre a moral definida por Kant e a realidade brasileira

Primeiramente é preciso destacar que esta comparação está sendo feita em relação à realidade brasileira, por força da necessidade de limitar o texto a um quadro mais próximo do leitor, porém, não só ao ambiente doméstico podemos perceber a atualidade dos estudos de Kant, basta verificar o que vem acontecendo na ordem internacional, com a intervenção dos Estados Unidos da América no Iraque.

O projeto de paz universal Kantiano, que poderia se consolidar sob a batuta da ONU, foi lançado por terra pela Nação mais bem armada do planeta.

Nada obstante, como já frisado acima, não precisamos sair do território nacional para perceber que não vivemos nada que se aproxime da moral estudada e preconizada por Immanuel Kant.

Na política brasileira as inclinações individuais (os desejos, os instintos) dos “representantes” do povo são cada vez mais colocados em relevo, em detrimento do interesse coletivo, e sem qualquer sombra de dúvida, as máximas subjetivas vêm se aflorando e se tornando realidade com cada vez menos pudor.

Basta percebemos que mesmo quando se atua com fundamento em algum ordenamento jurídico, o móvel das ações tem que ver com o interesse particular do agente. Tal situação tem gerado, com muita freqüência, um distanciamento entre os conceitos de legalidade e de moralidade. Distanciamento este bastante perceptível em procedimentos licitatórios que formalmente estão adequados às normas jurídicas, mas visam ao enriquecimento sem causa de algum grupo ligado ao ordenador da despesa.

Sobre a maledicência e difamação Kant traz as seguintes conclusões:

“Divulgar acintosamente uma coisa que denigra a honra de outrem, mas não cai sob a jurisdição dos tribunais e que aliás pode ser verdadeira, é diminuir o respeito à humanidade em geral, de modo a lançar, em, última análise, a sombra do descrédito sobre a nossa própria espécie, e a fazer da misantropia ou do desprezo o modo de pensar dominante, ou a embotar o senso moral pelo espetáculo freqüente do vício, e a habituar-se a isso. Portanto, em lugar de auferir um prazer malicioso da revelação das faltas alheias, com vistas a assegurar-se assim a reputação de um homem de bem, ou , pelo menos de um homem que não é pior do que os demais, é dever de virtude lançar sobre as faltas dos outros o manto da filantropia, não só moderando os nossos juízos, como deixando de externá-los; pois o exemplo do respeito que tributamos aos outros pode incitá-los, por sua vez, a fazer esforço para se tornarem dignos dele. Por esta razão, o vezo de espionar os costumes dos outros é já em si uma curiosidade ofensiva, a que todo homem tem o direito de opor-se como a uma violação do respeito que lhe é devido.” (Doutrina da Virtude, p. 48)

Percebe-se através deste excerto que o respeito à pessoa humana sendo absoluto, deve nos dissuadir de lançar sobre os outros qualquer julgamento e condenação. Nada obstante, o que vemos com freqüência nos meios de comunicação brasileiros são conclusões açodadas sobre a conduta alheia, conclusões que, aliás, acabam por pressionar indevidamente os órgãos julgadores a pretexto de estarem divulgando a opinião pública.

Como se não bastasse, os programas que mais atraem a atenção do público são aqueles em que a vigilância dos costumes dos outros é proporcionada pela reunião de pessoas em uma casa (ou outro prédio qualquer) onde são submetidas a determinadas provas em busca de certo prêmio. Tanto faz que sejam pessoas conhecidas do público, ou enormes desconhecidos, o que interessa é verificar como procedem e realizar o julgamento de seus comportamentos através de uma votação realizada pela rede mundial de computadores ou pelo telefone. Muito dinheiro para a empresa de televisão e nada de proveito para os espectadores, a não a ser a “satisfação” de se sentir seus defeitos compartilhados pelos demais.

Esta situação (talvez infelizmente) não é verificada na política, pois os cidadãos (de memória muito curta) perdoam facilmente os desvios de conduta de seus eleitos, muitas vezes, sequer querem tomar conhecimento de tais comportamentos desviados.
Sobre a mentira Kant possui um interessante trabalho no qual sustenta que sendo a verdade um princípio a priori da moral, não há como excepcionar sua observância de acordo com o interesse subjetivo dos indivíduos.

Este trabalho foi escrito em resposta a Benjamin Constant, que escrevera sobre um pretenso direito de mentir por amor à humanidade.

Tratando das relações políticas o filósofo francês pontuou:

“O princípio moral segundo o qual o dizer a verdade é um dever, se for tomado absoluta e isoladamente, tornaria impossível toda a sociedade. A prova disso a temos nas conseqüências diretas tiradas desse primeiro princípio por um filosofo alemão, que vai ao ponto de pretender que mentir a assassinos que me perguntassem se meu amigo se refugiou em minha casa, seria um crime” (Benjamin Constant, Oeuvres politiques, tome III, 6ª partie, apud PASCOAL, 2005).

Para Kant a rigor e independentemente dos motivos não se deve mentir. Não se trata analisar se a verdade trará resultados negativos (infelicidade) ou positivos (felicidade), pois, estes resultados não estão no âmbito de decisão do sujeito, dependem de uma série de circunstâncias que podem, uma vez somadas à mentira tomar rumo totalmente diferente do desejado.

Dessarte, não se deve mentir, porque não se deve mentir, e não porque a mentira acarreta conseqüências felizes ou infelizes.

Eis como Kant justifica que a mentira é sempre imoral:

“O filósofo francês refuta esse princípio da seguinte maneira: é um dever dizer a verdade. O conceito de dever é inseparável do conceito do direito. Um dever é aquilo que corresponde em um ser aos direitos de outro. Onde não há nenhum direito, não há deveres. Por conseguinte, dizer a verdade é um dever, mas somente com relação àqueles que têm direito à verdade. Nenhum homem, porém, tem direito à verdade que prejudica os outros... Deve-se observar em primeiro lugar que a expressão ‘ter direito à verdade’ é desprovida de sentido. Deve-se ao contrário dizer que o homem tem direito à sua própria veracidade (veracitas), isto é, à verdade subjetiva em sua pessoa. Pois objetivamente ter direito a uma verdade significaria o mesmo que dizer que depende da sua vontade, como em geral nas questões sobre o meu e o teu, que uma dada proposição deva ser verdadeira ou falsa, o que produzida então uma estranha lógica... A veracidade nas declarações que não se pode evitar é um dever formal do homem com relação a qualquer outro, por maior que seja o prejuízo decorrente disso para ele ou para outra pessoa; e se não cometo um a injustiça contra aquele que me obriga a uma declaração de maneira injusta, se as falsifico, cometo, por essa falsificação, que também pode ser chamada mentira (embora não no sentido dos juristas), em geral uma injustiça na parte mais essencial do dever: isto é, faço, naquilo que a mim se refere, com que as declarações em geral não encontrem mais crédito, e portanto também todos os direitos fundados em contratos sejam abolidos e percam a força; isto é uma injustiça causada a humanidade em geral.
Define-se, portanto, a mentira como uma declaração intencionalmente não verdadeira feita a outro homem, e não há necessidade de acrescentar que deva prejudicar outra pessoa, como exigem os juristas na definição que dela apresentam (mendacium est falsiloquium in praejudicium alterius). Pois ela prejudica sempre uma outra pessoa, mesmo quando não um outro homem determinado e sim a humanidade em geral, ao inutilizar a fonte do direito.” (Doutrina da Virtude, p. 251)


Conforme se pode perceber, a lição de Kant parece enquadrar-se como uma luva ao caso brasileiro, haja vista que as mentiras, o jogo político pouco interessado no bem comum e as artimanhas adotadas por parte dos nossos mandatários públicos, nos levam a desacreditar nas verdades que outros tantos deles tentam dizer. Somos levados a generalizar o raciocínio amoral de alguns (parecem não ser poucos), estendendo-o a todos quantos exercem certos cargos. Esta é a fonte do profundo déficit de credibilidade que os agentes públicos brasileiros vêm vivenciando nas últimas décadas.

5 Conclusão

A filosofia Kantiana enunciada na doutrina da virtude e nas críticas da razão nos permitiria estender esta reflexão muito além destas poucas páginas.

Nada obstante, não é nossa intenção cansar o leitor, mas tão somente aguçar sua percepção para o fato de que não é somente a impunidade (como querem fazer crer alguns veículos de informação) a causa desse sem número de mazelas que estão sendo experimentadas pela sociedade brasileira.

Mormente no que concerne à corrupção e à violência urbana, acredito que o recrudescimento destes problemas seja fruto de uma profunda crise moral vivida por nossa população.

Não se pode dizer que essas dificuldades sejam conseqüência da má distribuição de renda, da carência de assistência da população de baixa renda, nem tão somente da ausência do Estado em certos espaços.

A falta de parâmetros morais seguros, ou de uma boa educação para a convivência em coletividade, para o domínio da razão sobre os instintos, talvez seja o fator mais relevante para esta crise.

Resta-nos, então, torcermos para que a família, a religião e, por que não dizer os estabelecimentos de ensino, possam somar esforços na busca de uma sociedade mais ciente de seus direitos, mas perfeitamente compreensiva de seus DEVERES.

Chegar próximo do rigorismo Kantiano nos dias atuais talvez seja não mais que um sonho. Mas a melhoria na formação de nossos jovens, principalmente no que tange ao respeito aos direitos dos outros mesmo que isto possa implicar algum desconforto pessoal, é uma realidade que pode ser alcançada desde que haja engajamento de todos quantos têm oportunidade de ter acesso ao conhecimento.

ABSTRACT: This small text traces a parallel enters some important aspects of the kant’s philosophy (contained in Critical of the Practical Reason and in the Doctrine of the Virtue) and the reality of the Brazilian politics and the society. It is intended to demonstrate how much we are distant of the kant’s ideals in the current days and that one of the causes of the great problems tried in Present-day Brazil is a deep moral crisis

KEY-WORDS: law; moral; Kant; politic; society; brazilian.

____________________________________________________
6 Referências


KANT, I. Crítica da Razão Pura. Trad. Manuela P. dos Santos & Alexandre F. Morujão. Lisboa: Fundação Kalouste Gulbenkian, 1989.

_____. Crítica da Razão Prática. Trad. Valério Rohden. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

_____. Crítica da Faculdade do Juízo. Trad. Valério Rohden e António Marques. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995.

_____. Doutrina do Direito. Trad. Edson Bini. São Paulo: Ícone, 1993.

_____. Doctrine de La Vertu: Métaphysique dês Moeurs. Deuxième partie. Trad. por A. Philonenko. Paris: Vrin, 1996.

_____. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Trad. Paulo Quintela. Lisboa: Edições 70, 1988.

_____. Idéia de uma História Universal de um Ponto de Vista Cosmopolita.. Trad. Ricardo Terra & Rodrigo Neves. São Paulo: Brasiliense, 1986.

_____. La Metafísica de las Costumbres. Trad. Adela Cortina Orts & Jesús Conill Sancho. Madri: Tecnos, 1999.

_____. Textos seletos-Doutrina da Virtude. Trad. Floriano de Souza Fernandes. Petropolis:Vozes, 2005, p.72-78.

PASCOAL, Georges, Compreender Kant. Trad. Raimundo Vier. 2.ed. Petrópolis:Vozes, 2005.
Wesley Wadim Passos Ferreira de Souza é Professor de Estudos Avançados em Direito Processual Penal da Escola Superior Dom Helder Câmara, Juiz Federal Substituto, Especialista em Direito Penal e Processo Penal, Mestre em Direito e Instituições políticas pela FCH-FUMEC.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Escoto: Platão ao Alcance da Escola Franciscana.

Ao lado do aristotelismo de Alberto, Tomás e suas escolas, sobrevive ainda a velha tradição agostiniana, com o seu pensamento próprio. Antes como depois, são sempre os franciscanos os seus representantes principais.
a) De Boaventura a Escoto
Até Duns Escoto, que simboliza uma nova culminância, a velha herança é transmitida por Mateus de Aquasparta (+ 1302), cuja epistemologia é particularmente digna de consideração; Guilherme de la Mare (+ 1298), cujo escrito anti-tomista já mencionamos: Ricardo de Mediavilla (+ após 1300); Rogério Marston (+ 1303) no qual claramente já se mostra a tentativa, típica em Oxônia, de fundir aristotelismo e agostinismo; Pedro João Olivi (+ 1298), que introduz três formas na alma humana — a vegetativa, a sensitiva e a intelectiva, das quais só as duas primeiras seriam formas substanciais do corpo, teoria expressamente rejeitada pelo concilio de Viena em 1312. Franciscano foi também Raimundo Lulo (+ 1316) que, com a sua Ars generalis et ultima (1308) quis constituir uma espécie de mecânica de idéias que permitisse calcular artificialmente todas as suas possíveis combinações, tentativa retomada por Leibniz na sua Ars combinatoria.

b) Duns Escoto

O fundador da mais recente escola franciscana é Duns Escoto (1266-1308). Pertence indubitavelmente aos primeiros espíritos da escolástica, embora seja algo excessivo dizer-se que criou uma nova síntese. Mas em toda parte é um espírito adiantado. Suas idéias são mais agudas, suas distinções mais exatas, suas provas mais coerentes, sua problemática mais rica que até então. Quem quiser filosofar com Tomás faria bem, por ocasião de cada questão, retomar os pensamentos de Escoto e explorá-los. Cabeça crítica, bem mereceu o cognome de doctor subtilis. Não critica porém por criticar, mas sempre procura, criticando, elucidar melhor as verdades já estabelecidas. De orientação fundamentalmente agostiniana, conhece ainda Aristóteles muito bem, mas sem aderir a ele. O seu esforço é para ser um mediador entre as oposições do agostinismo e do aristotelismo. Sabe entender-se com independência relativamente à tradição científica, sobretudo com Tomás.

Vida e Obras
Escoto foi Professor em Oxônia, Cambridge e Paris. Em 1308 foi chamado para Colônia onde morreu com 42 anos de idade. O volume de sua obra literária é espantoso dada a curteza da sua vida. Os mais importantes dos seus escritos são: as Quaestiones subtilissimas in metaphysicam Aristotelis (autênticos só os primeiros nove livros); Quaestiones ao De anima- de Aristóteles (provavelmente autêntico); o Tractatus de primo principio (edição crítica de M. Müller, 1941); Opus Oxoniense; Reportata Parisiensia; Quodlibeta. Nova edição crítica das obras de Duns Escoto sob a direção de P. C. Balic, em curso de publicação (1950 ss.)

Bibliografia
E. Longpré, La philosophie de B. J. Duns Scotus (1942). R. Messner, Schauendes und begriffliches Erkennen Duns Scotus (1942). E. Gilson, Jean Duns Scot (1952). Schäfer O., Bibtiographia de Vita Operibus et Doctrina Joh. D. S. Saéc. XIX — XX (1955).
Vamos expor as idéias fundamentais com as quais DUNS ESCOTO enriqueceu e desenvolveu a problemática do seu tempo.

α) Saber e crer
, — A orientação agostiniaua revela-se logo em Duns Escoto se lhe observarmos a posição relativamente
à problemática tradicional, no atinente à ciência e à crença. O conhecimento filosófico de Deus se lhe limita à existência; e as mais importantes elucidações a respeito dele pertencem à fé. O objeto da metafísica não é Deus, como o pensava Averróis, mas o ser como tal, conforme o tinha dito Avicena. A ciência certa é só a que se funda na percepção sensível. O conhecimento das causas supra-sensíveis nos escapa; são-nos acessíveis por argumentos indiretos, sempre débeis e muito gerais. Por isso um conhecimento adequado da essência divina p. ex., escapa à razão natural. Dizemos, certo, que Deus é o ser supremo, primeiro e infinito; mas esses são sempre “conceitos confusos”. Na realidade Deus é ainda onipotente, imenso, onipresente, verdadeiro, justo, misericordioso, onisciente. Mas tudo isto só podemos sabê-lo pela fé e a teologia. Pelo contrário, é possível uma “metafísica cristã”. Esta realiza e examina filosòficamente a fundo as verdades sobre Deus e a imortalidade, depois de nos terem sido reveladas pela fé, conforme já Anselmo o tinha feito. É isso mesmo que Escoto agora pretende fazer no seu Tractatus de primo principio. O quanto Escoto delimita o domínio da razão natural em matéria de metafísica, particularmente o vemos pela sua posição em face da lei moral natural. Enquanto Tomás lhe considera todo o conteúdo como racionalmente compreensível e demonstrável, Escoto afirma que isso é possível só quanto às disposições dos três primeiros mandamentos do Decálogo, mas não quanto aos outros. Assim, p. ex., podíamos conceber uma ordem do mundo onde fosse lícito o homicídio, a poligamia e não existisse nenhuma propriedade privada. Tomás considerava todos os mandamentos do Decálogo, por causa da sua necessidade, racional, como imutáveis; Escoto considerava tais só os três primeiros, porque a sua alteração implicaria numa contradição interna, o que não se dá com os outros. Por isso estes últimos preceitos morais são disposições dependentes da vontade divina e não têm, como para Tomás, nenhum conteúdo racional. Escoto não é tão crente na razão; espírito crítico, torna mais estreitas as fronteiras da razão. Talvez também quisesse assim encerrar em apertados limites as pretensões filosóficas totalizantes dos averroístas.
β) Primado da vontade. — Compreendemos agora como Escoto chegou à doutrina do primado da vontade. Mas com isso não quis ceder a um irracionalismo, nem afirmar que a vontade pura, por si mesma e só, já possa ser prática. Também Escoto vê na vontade em si uma “faculdade cega”, como sempre diz Tomás; e sabe que só pode ser querido o fim previamente proposto pelo intelecto. Mas Escoto atribui à vontade humana maior valor que ao conhecimento, porque o amor nos une mais intimamente com Deus do que a fé, e isso se vê logo do fato de ser o ódio a Deus pior que a ignorância dele. Demais, a vontade deve ser livre em todas as circunstâncias. Segundo Esgoto, nada pode determiná-la, mesmo o supremo bem. Só ela ê a causa das suas ações. A singular valorização da vontade, característica do escotismo, também se transfere para Deus. Assim, é a vontade divina a que positivamente cria a multidão das idéias particulares, de acordo com as (piais Deus formou o mundo, Se Deus conhece as cousas nas suas essências próprias, é que ele encerra em si de toda a eternidade os modelos delas. Mas elas não são produzidas arbitrariamente, como não o são as leis morais positivas, pois a vontade divina cria o que a sabedoria divina preconcebeu. E também aqui, de novo, a possibilidade ou não de uma idéia é a essência de Deus quem a decide e isto sob a égide do princípio de contradição. Também Escoto introduz no seu sistema o platonismo cristão. O seu pensamento faz eco ao αποβλετειν προς τι (as Idéias com que Platão estereotipicamente explica a criação do mundo pelo demiurgo) tão claramente como em Agostinho, Tomás ou Boaventura.

γ) Individuação
. — Conexa com esta valorização da vontade e a sua, em cada caso, decisão positiva, é a posição de Escoto relativamente ao problema da individuação. Também o individual é uma entidade positiva e tem como tal uma haecceitas. O conhecimento do individual é o perfeitíssimo dos conhecimentos. Assim, em face do primado do universal em Platão, Aristóteles e Tomás, se afirma uma nova concepção que fará escola e ainda mais se fortalecerá com o aproximar-se dos tempos modernos. Embora o termo haecceitas somente formule o problema, sem o resolver, já nele se manifesta tipicamente e pela primeira vez o que virá a ser uma afirmação capital na filosofia moderna — o individualismo.

δ) O conhecimento
. — Escoto é conseqüente consigo mesmo, na sua teoria do conhecimento, quando admite como cognoscível na sua totalidade as cousas concretas individuais. Não há nenhum resíduo irracional, nem nenhuma necessidade de nos aproximarmos do individual, passando pelo desvio do universal. Numa intuição intelectual-sensível captamos imediatamente a cousa existente. Mas o conhecimento não se limita só a isso; também Escoto sobe aos conceitos universais. Estes são abstraídos e, de novo, é o intelecto agente o que faz essa operação. Mas ensina ele, que a natura communis é um meio termo entre o individual e o universal. É só por esta que apreendemos a species intelligilis, a idéia universal, de que deve servir-se todo conhecimento científico. A atividade do intellectus agens no processo cognitivo Escoto particularmente o realça. Em face dele a intuição é causa simplesmente parcial; mas ele é ex se causa integra factiva obiecti in intellectu possibili, A sua função consiste em estabelecer uma certa e constante relação entre os nossos modos de conhecer e o objeto do conhecimento. E assim Escoto assinala a lei própria do conhecimento humano, melhor que Tomás, que também aceita o princípio — tudo o, conhecido o é ao modo do conheceu te. O aspecto subjetivo “do conhecimento vai ainda mais longe. Para Escoto a verdade já não é, conforme à. ingênua teoria da imagem, simplesmente uma adequação; mas “é verdade o que é comensurado com a sua proporção”. Isto manifesta clara a sua visão crítica. Escoto também sabe que a experiência sensível enuncia somente juízos de fato. Mas os princípios só podem ser conhecidos pelo intelecto e sua capacidade apreensiva de relações, mesmo quando interpretamos erroneamente os dados da experiência sensível, pois os sentidos não exercem nenhuma causalidade eficiente sobre o intelecto (intellectus non habet sensus pro causa, sed tantum pro occasione). Quando Escoto assim o diz e quando, com o auxílio dos princípios do intelecto, decide em última instância sobre a verdade e o erro dos nossos juízos, aqui reaparece — como, demais disso, na doutrina da natureza comum, que não passa de um universal disfarçado — o velho conceito do ειδοζ. E assim em Escoto a relação entre a sensibilidade e o intelecto fica tão obscura como na escolástica coeva. Só a filosofia inglesa contemporânea é que tomou a sério a questão da sensibilidade. Mas já vemos por Escoto, e ainda mais por Ockham, o aproximar-se lento e vagaroso a essa evolução, mas enfim o aproximar-se. E estas observações nos fazem conhecer como o pensamento moderno é uma continuação do medieval e não surgiu repentinamente, como Minerva da cabeça de Zeus, novidade totalmente nova e diversa.

ε) Conceito unívoco do ser
. — Escoto fez falar muito de si pela sua doutrina da universalidade do conceito de ser, a propósito das predicações que fazemos a Deus. Não quer com isso estabelecer nenhumas categorias de sentido unívoco atribuível a Deus e ao mundo ao mesmo tempo. Neste ponto segue a velha teoria da predicação analógica. Mas àquele ser generalíssimo manifesto em tudo quanto existe, seja o que for que conheçamos e a que façamos predicações, embora as cousas se distingam umas das outras, deve corresponder um nome e um conceito próprios, dado que há um sentido quando se fala do ser. Em toda analogia deve sempre haver algo de comum e de igual. É este um pensamento que os antigos não exprimiram assim. Esse ser generalíssimo é o maxime scibile e, como tal, para Escoto objeto da metafísica. É um transcendental, mais determinado pelos atributos de infinito–finito, necessário-possível e semelhantes modalidades. Nestas modalidades entram as distinções que, antes de Escoto, se faziam mediante os conceitos de ser superessencial, por participação, necessário e contingente. Assim se salva a existência da problemática e ao mesmo tempo da noção de analogia. Pois, uma comparação só é possível com um ser comum e já conhecido, seja esse uma idéia ou um ser modalmente conjugarei de espécie mais universal, o que também significa o mesmo.

ξ) Provas de Deus
. — Toda a agudeza do seu espírito Escoto a aplicou ao problema das provas de Deus. Desde cedo rejeita a prova aristotélica do movimento, por ter o princípio do movimento muitas exceções. Mas aceita a prova tirada da causa eficiente, a da finalidade e a dos graus de perfeição. A explicação filosófica do conceito de causa, em geral e do princípio de causalidade em particular, e da impossibilidade de um regressus in infinitum, que Escoto aqui empreende, devia incluir-se em qualquer exposição sistemática das provas de Deus. (Para mais minúcias cf. a penetrante análise em Gilson-Bóhner). Neste conjunto também Escoto retoma a prova anselmiana, ampliando-a pela prova da possibilidade da idéia de um ser infinito e é assim precursor do pensamento de Leibniz.

c) Escola escotista
Escoto exerceu uma influência nos séculos seguintes. Contam-se entre os seus discípulos Antônio Andreae (+ 1320), o autor da Expositio in Metaphysicam por muito tempo atribuída a Escoto; Francisco de Mayronis (+ 1325); Gualtério Burleu (+ após 1343); Tomás Bradwardine (+ 1349), típico para a tradição matemática oxoniense; Pedro Tartareto, em 1490 Reitor da Universidade Parisiense; Francisco Liqueto (+ 1520); Maurício a Portu (+ 1520) etc.
Fonte:
HIRSCHBERGER, Johannes. A escola franciscana mais recente: doutrinas antigas e novas. In: _____. História da Filosofia da idade média. Disponível em <http://www.consciencia.org/filosofia_medieval21_escola_franciscana.shtml> acesso em 13 set. 2008.