quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Super-Herói e Filosofia

por Breno Lucano
Cada cultura com seus dogmas. Cada tempo, suas interpretações sobre teologia, antropologia e suas relações. E a Antiguidade possuia uma colocação que, para nós, cristãos, parece estranha e herética. Estóicos e epicuristas são unânimes ao igualar a vida do sábio aos dos deuses. Para eles, o sábio é o próprio deus que anda por entre os homens, se relaciona, se articula com as instituições, faz-se presente na história. Ele é alguém especial que possui em razão de seus atributos o legítimo dever de governar.
Mas o que significa para nós ser um deus? Nós nada criamos, não temos o dom de transpassar o tempo e o espaço. Somos marcados pela morte, dúvida, decadência e fraqueza tão ilustrados por Montaigne. Sob muitos aspectos a tentativa de ver a grandeza do homem impediu os antigos de ver sua pequenez e tragédia. 
Então, o que quiseram dizer com a associação entre homem e deus? Falaram em potência, falaram em possibilidades existenciais que, comumente, associamos unicamente ao divino. Ao atingir o estado de perpétua tranquilidade, reto julgar, extinção ou, pelo menos a capacidade de controlar o que há de passional no homem, todos esses predicativos são fortemente atrelados ao divino. E o homem que alcança esses estados é, portanto, divino.
As parafernálias ontológicas são lindas. Belíssimas!!! Mas me pergunto se são produtivas na atualidade, senão como um símbolo, infantil, talvez, mas ainda assim um símbolo.
Os que me conhecem há algum tempo sabem o quanto aprecio letras de músicas, filmes e livros como instrumentos de filosofia. Onfray dirá que se faz filosofia até mesmo com a gastronomia. Sendo assim, proponho uma música muito propício para algumas reflexões: Super-Herói.
Não deixo de associar essa música aos heróis de quadrinhos. Eles são bonitos, podem voar, se tornar o que quiserem. Vêem através de paredes, são invulneráveis. São deuses, nada há que não possam fazer. São nobres, sempre dispostos dar a própria vida pela defesa de inocentes. Corajosos, nunca temem a morte.
Mas de alguma forma são diferentes dos deuses antigos. Se pensarmos nos heróis e os compararmos com os deuses que foram venerados outrora, nossos heróis são humanos, demasiadamente humanos. Apesar de Zeus possuir sua fraqueza por belos corpos de mulheres e homens em Homero, o Zeus do culto popular não encontra paralelo na história. Ele é forte, invencível, combatente e vencedor do pai Chronos. Nossos heróis, por outro lado, choram. Alguns, como Batman e Arqueiro Verde sequer possuem poderes. São exilados, expulsos, foragidos de seu próprio povo, entregues à própria sorte. Mas suportam tudo, são heróis e dão o exemplo.
A aceitação da própria condição trágica é o ápice de qualquer filosofia. Entender que, a qualquer momento, estará morto e nada mais restará de nós senão o nome, e mesmo assim apenas por algumas gerações. Compreender que somos submetidos à sorte e às intempéries. Solidão, falta de esperança, desilusão. Schopenhauer representa de modo único esse pessimismo, esse sistema trágico do qual o homem faz parte: faça o que quiser, faça o que tiver que fazer, o homem sempre sofrerá.
E o que é sofrer senão andar na terra, renunciar ao belo mundo que os contos infantis nos preservam, onde todos se amam, não há fome, não há desigualdades sociais, não há morte? Nem sempre o herói sabe voar, às vezes até mesmo sangra.
De qualquer modo, o heróis não é aquele ser solitário, necessariamente. Cruzando a história, o herói encontra possibilidades inúmeras. Pontos, dúvidas, inquietações. E, em meio a tudo isso, se faz, se constrói, se modela de acordo com a sua vontade. Encontra o seu caminho, mesmo que tortuoso e esquivo. Alegra-se e lamenta-se, dorme-se e acorda-se, enamora-se. Deseja ir além das fronteiras, ao encontro de energias únicas, ser mais do que um rosto no jornal.

E não é fácil viver assim.

fonte: portalvertas