"O
uso comum chama sábios àqueles que ordenam corretamente as coisas e as
governam bem; por isso Aristóteles afirmou: ordenar é o ofício do
sábio."
Esse
pensamento encontra-se expresso no primeiro capítulo da Súmula Contra
os Gentios, e seu autor parece ter seguido rigorosamente a máxima
aristotélica, tanto ao construir o maior
sistema teológico-filosófico da
Idade Média, quanto em sua vida pessoal.
A
biografia de Tomás de Aquino não apresenta momentos dramáticos, podendo
ser sintetizada nas etapas principais de uma vida inteiramente dedicada
à meditação e ao estudo. Nascido no castelo de Roccasecca, perto de
Aquino (Reino das Duas Sicílias), em 1225, Tomás de Aquino estudou
inicialmente sob orientação dos monges beneditinos da Abadia de
Montecassino e, em 1244, ingressou na Ordem dos Dominicanos. Um ano
depois encontra-se em Paris, onde continua a formação teológica com
Alberto Magno. De 1248 a 1252, permanece em Colônia, ainda dedicado aos
mesmos estudos, até que volta a Paris e prossegue as atividades
universitárias, culminando pela obtenção do título de doutor em
teologia, em 1259. Nesse ano retorna à Itália e leciona em Agnani,
Orvieto, Roma e Viterbo. De 1269 a 1272, exerceu em Paris as funções de
professor. Retornando à Itália, veio a morrer no convento dos
cistercienses de Fossanova, não muito longe da cidade natal, no dia 7 de
março de 1274, com apenas 49 anos de idade.
Tomás
de Aquino foi um trabalhador incansável e um espírito metódico, que se
empenhou em ordenar o saber teológico e moral acumulado na Idade Média,
sobretudo o que recebeu através de seu mestre Alberto Magno. Como
resultado, produziu extensa obra, que apresenta mais de sessenta
títulos. As mais importantes são os Comentários Sobre as Sentenças,
provavelmente redigidos entre 1253 e 1256, em Paris; Os Princípios e O
Ente e a Essência, da mesma época; a Súmula Contra os Gentios e as
Questões Sobre a Alma, compostas, ao que tudo indica, entre 1259 e 1264;
as Questões Diversas, começadas em 1263; e finalmente a Suma Teológica,
sua obra mais célebre, apesar de não concluída.
Em
todas elas está sempre presente uma vasta erudição, não haurida
diretamente nas fontes, pois Tomás de Aquino não conhecia nem o
hebraico, nem o grego, nem o árabe. Limitado ao latim, conheceu e
utilizou, porém, inúmeros autores profanos (Eudóxio, Euclides,
Hipócrates, Galeno, Ptolomeu), os filósofos gregos, sobretudo Platão e
Aristóteles, os árabes e judeus (Al Farabi, Avempace, Al Ghazali,
Avicebrom, Avicena, Averróis, Israeli), e escolásticos, como Anselmo de
Aosta, Bernardo de Clairvaux, Pedro Lombardo. Mas foi principalmente
influenciado por Santo Agostinho e, mais ainda, por Alberto Magno, seu
mestre em Paris.
Uma velha questão
Foi
sobretudo em Paris que Tomás de Aquino viveu intensamente os conflitos
intelectuais, típicos de sua época, que opunha o conhecimento pela fé ao
conhecimento pela razão, a teologia à filosofia, a crença na revelação
bíblica às investigações dos filósofos gregos. Em Paris esses conflitos
ganhavam dramaticidade mais intensa do que em qualquer outra parte da
Europa, pois a cidade era a capital do mais poderoso reino da Europa e
pólo de atração de estrangeiros de todas as procedências. O papado não
abria mão de seus direitos de organização da universidade e procurava
fazê-lo no sentido de combater a predominância dos dialéticos (como eram
então chamados os professores de filosofia) sobre os teólogos, isto é,
os expositores e comenta-dores das Sagradas Escrituras. A dialética não
deveria ser mais do que instrumento auxiliar e os mestres de teologia
não deveriam fazer "ostentação de filosofia", determinava uma disposição
papal de 1231.
Os
conflitos já vinham de algum tempo, mas acentuaram-se depois da
divulgação da filosofia aristotélica, graças a traduções feitas pela
escola de Toledo na segunda metade do século XII. O efeito causado pelas
obras de Aristóteles foi extremamente perturbador. O mais importante
fator de conflitos entre os admiradores do estagirita e dos defensores
da fé residia no fato de a doutrina aristotélica apresentar, à primeira
vista, um conteúdo muito distinto da concepção cristã do mundo. Na
física aristotélica o mundo é eterno e incriado. Deus é o motor imóvel
do universo, o "pensamento que se pensa a si mesmo" e nada cria, movendo
o mundo como causa final, sem conhecê-lo, "como o amado atrai o
amante". Por sua vez, a alma não é mais do que forma do corpo
organizado, devendo nascer e morrer com ele sem ter nenhuma destinação
sobrenatural. Assim, a filosofia aristotélica ignorava totalmente as
noções de Deus criador e providente, bem como as de alma imortal, queda e
redenção do homem, todas fundamentais à doutrina cristã.
Apesar
de tão distante dos dogmas cristãos, a filosofia aristotélica ganhou
adeptos cada vez mais entusiasmados entre os dialéticos, que nela viam
um alimento intelectual superior e se esforçavam para adaptá-la à
revelação bíblica. Os esforços, contudo, não eram eficientes e os
conflitos persistiam. O aristotelismo não servia, assim, à política dos
papas e medidas rigorosas foram tomadas contra ele. Desde 1211, o
concilio de Paris proíbe o ensino da física do filósofo grego e, em
1215, o legado papal, ao formular os estatutos da Universidade de Paris,
proíbe a leitura da Metafísica e da Filosofia Natural, de Aristóteles.
As proibições, contudo, caíam no vazio, diante do entusiasmo do público.
O papa Gregório IX limitou-se então a ordenar a propagação das obras de
Aristóteles, desde que expurgadas de afirmações contrárias aos dogmas
da Igreja. Inicia-se assim a cristianização da filosofia aristotélica, o
que só veio a se tornar possível graças ao espírito analítico, à
capacidade de ordenação metódica e à habilidade dialética de Tomás de
Aquino, que ele aliava a um profundo sentimento de fé cristã.
Fonte: Coleção Os Pensadores
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