segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Tomás de Aquino: Considerações

"O uso comum chama sábios àqueles que ordenam corretamente as coisas e as governam bem; por isso Aristóteles afirmou: ordenar é o ofício do sábio."

Esse pensamento encontra-se expresso no primeiro capítulo da Súmula Contra os Gentios, e seu autor parece ter seguido rigorosamente a máxima aristotélica, tanto ao construir o maior
sistema teológico-filosófico da Idade Média, quanto em sua vida pessoal.
A biografia de Tomás de Aquino não apresenta momentos dramáticos, podendo ser sintetizada nas etapas principais de uma vida inteiramente dedicada à meditação e ao estudo. Nascido no castelo de Roccasecca, perto de Aquino (Reino das Duas Sicílias), em 1225, Tomás de Aquino estudou inicialmente sob orientação dos monges beneditinos da Abadia de Montecassino e, em 1244, ingressou na Ordem dos Dominicanos. Um ano depois encontra-se em Paris, onde continua a formação teológica com Alberto Magno. De 1248 a 1252, permanece em Colônia, ainda dedicado aos mesmos estudos, até que volta a Paris e prossegue as atividades universitárias, culminando pela obtenção do título de doutor em teologia, em 1259. Nesse ano retorna à Itália e leciona em Agnani, Orvieto, Roma e Viterbo. De 1269 a 1272, exerceu em Paris as funções de professor. Retornando à Itália, veio a morrer no convento dos cistercienses de Fossanova, não muito longe da cidade natal, no dia 7 de março de 1274, com apenas 49 anos de idade.

Tomás de Aquino foi um trabalhador incansável e um espírito metódico, que se empenhou em ordenar o saber teológico e moral acumulado na Idade Média, sobretudo o que recebeu através de seu mestre Alberto Magno. Como resultado, produziu extensa obra, que apresenta mais de sessenta títulos. As mais importantes são os Comentários Sobre as Sentenças, provavelmente redigidos entre 1253 e 1256, em Paris; Os Princípios e O Ente e a Essência, da mesma época; a Súmula Contra os Gentios e as Questões Sobre a Alma, compostas, ao que tudo indica, entre 1259 e 1264; as Questões Diversas, começadas em 1263; e finalmente a Suma Teológica, sua obra mais célebre, apesar de não concluída.

Em todas elas está sempre presente uma vasta erudição, não haurida diretamente nas fontes, pois Tomás de Aquino não conhecia nem o hebraico, nem o grego, nem o árabe. Limitado ao latim, conheceu e utilizou, porém, inúmeros autores profanos (Eudóxio, Euclides, Hipócrates, Galeno, Ptolomeu), os filósofos gregos, sobretudo Platão e Aristóteles, os árabes e judeus (Al Farabi, Avempace, Al Ghazali, Avicebrom, Avicena, Averróis, Israeli), e escolásticos, como Anselmo de Aosta, Bernardo de Clairvaux, Pedro Lombardo. Mas foi principalmente influenciado por Santo Agostinho e, mais ainda, por Alberto Magno, seu mestre em Paris.
Uma velha questão
Foi sobretudo em Paris que Tomás de Aquino viveu intensamente os conflitos intelectuais, típicos de sua época, que opunha o conhecimento pela fé ao conhecimento pela razão, a teologia à filosofia, a crença na revelação bíblica às investigações dos filósofos gregos. Em Paris esses conflitos ganhavam dramaticidade mais intensa do que em qualquer outra parte da Europa, pois a cidade era a capital do mais poderoso reino da Europa e pólo de atração de estrangeiros de todas as procedências. O papado não abria mão de seus direitos de organização da universidade e procurava fazê-lo no sentido de combater a predominância dos dialéticos (como eram então chamados os professores de filosofia) sobre os teólogos, isto é, os expositores e comenta-dores das Sagradas Escrituras. A dialética não deveria ser mais do que instrumento auxiliar e os mestres de teologia não deveriam fazer "ostentação de filosofia", determinava uma disposição papal de 1231.
Os conflitos já vinham de algum tempo, mas acentuaram-se depois da divulgação da filosofia aristotélica, graças a traduções feitas pela escola de Toledo na segunda metade do século XII. O efeito causado pelas obras de Aristóteles foi extremamente perturbador. O mais importante fator de conflitos entre os admiradores do estagirita e dos defensores da fé residia no fato de a doutrina aristotélica apresentar, à primeira vista, um conteúdo muito distinto da concepção cristã do mundo. Na física aristotélica o mundo é eterno e incriado. Deus é o motor imóvel do universo, o "pensamento que se pensa a si mesmo" e nada cria, movendo o mundo como causa final, sem conhecê-lo, "como o amado atrai o amante". Por sua vez, a alma não é mais do que forma do corpo organizado, devendo nascer e morrer com ele sem ter nenhuma destinação sobrenatural. Assim, a filosofia aristotélica ignorava totalmente as noções de Deus criador e providente, bem como as de alma imortal, queda e redenção do homem, todas fundamentais à doutrina cristã.
Apesar de tão distante dos dogmas cristãos, a filosofia aristotélica ganhou adeptos cada vez mais entusiasmados entre os dialéticos, que nela viam um alimento intelectual superior e se esforçavam para adaptá-la à revelação bíblica. Os esforços, contudo, não eram eficientes e os conflitos persistiam. O aristotelismo não servia, assim, à política dos papas e medidas rigorosas foram tomadas contra ele. Desde 1211, o concilio de Paris proíbe o ensino da física do filósofo grego e, em 1215, o legado papal, ao formular os estatutos da Universidade de Paris, proíbe a leitura da Metafísica e da Filosofia Natural, de Aristóteles. As proibições, contudo, caíam no vazio, diante do entusiasmo do público. O papa Gregório IX limitou-se então a ordenar a propagação das obras de Aristóteles, desde que expurgadas de afirmações contrárias aos dogmas da Igreja. Inicia-se assim a cristianização da filosofia aristotélica, o que só veio a se tornar possível graças ao espírito analítico, à capacidade de ordenação metódica e à habilidade dialética de Tomás de Aquino, que ele aliava a um profundo sentimento de fé cristã.
Fonte: Coleção Os Pensadores

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